segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

DAR E RECEBER

Dar e receber é uma via de mão dupla. A afirmação parece óbvia, mas a verdade é que nos esquecemos dela a todo instante. E isso acontece nas pequenas coisas. Sabe aquele amigo que sempre tem um ombro para as pessoas? Há quanto tempo você não liga para ele? E qual foi a última vez que disse a alguém especial o quanto gosta dele? São pequenas gentilezas que andam em baixa atualmente. Receber também entra para o quesito das dificuldades diárias: é complicado estabelecer um preço pelo seu trabalho - para os que são autônomos - ou aceitar um elogio e um agradecimento. Afinal, por que nós, brasileiros, que nos consideramos hospitaleiros e afetuosos, temos dificuldade, aqui ou ali, com as relações de troca? Conseguir exercitar o dar e o receber é a essência da convivência. “A reciprocidade nas relações, em que eu faço e você retribui de alguma maneira, foi um elemento que estruturou a sociedade, portanto é algo fundamental para o homem”, diz a antropóloga Livia Barbosa, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Nas sociedades antigas, existiam até rituais para enfatizar a importância de saber dar. Alguns deles sobreviveram em lugares como as ilhas Trobiand, na Nova Guiné. Ali, todo ano, um grupo de nativos sai de barco, sem levar mantimentos e roupas, para passar alguns dias na casa de conhecidos que moram em ilhas mais distantes. Eles chegam sem avisar e quem os recebe deve oferecer não só comida, cama e roupas mas também carinho e afeto. Ao ir embora, os hóspedes ainda ganham objetos de grande valor sentimental, como braceletes e colares que pertenceram a pessoas queridas da comunidade. No ano seguinte, quem deu recebe.

SERÁ QUE EU MEREÇO ISSO?

Receber vem do latim recipere, que originalmente tinha o sentido de “tomar algo que por direito pertence a outro”. “Se eu dei, tenho que receber”, diz o filósofo Jean Bar toli. Não há mal nisso. As relações são feitas de troca. “Você ama e quer ser amado, dá e quer receber. É simples”, diz o psicólogo social Bernardo Jablonski. Mas, se por vezes é difícil dar, receber também pode ser uma arte que nem todos dominam. A dificuldade em ouvir algo bom a seu respeito ou ganhar uma coisa valiosa pode esconder a baixa auto-estima porque a pessoa não acredita ser merecedora disso. Mas, atenção, a dificuldade em ser elogiado pode esconder, por vezes, um certo grau de arrogância – funciona assim para o elogiado: quem elogia não está a sua altura. Desse jogo ainda não se pode descartar o medo de ter, afinal, que retribuir. Mas não há como negar: o exercício do receber é necessário. Olhar para dentro de si pode ser uma das maneiras de enxergar qualidades perceptíveis aos outros. É algo para ser feito diariamente, que começa com alguns questionamentos. Não custa se perguntar o motivo de enrubescer e ficar sem palavras quando ouve um elogio. Se alguém disse que você está bonito ou que a sua companhia é agradável, por que acreditar? Não custa lembrar também que, quanto mais você aceita receber, mais terá a dar. “É assim que se formam os ciclos do bem, que fazem a todos mais felizes”, diz a monja Coen, da Comunidade Zen Budista, de São Paulo.

Lenine - Hoje eu quero sair só

Nenhum comentário: